Segredos de tio Jó – “Dois de fevereiro e a brisa no Baikal”
Quando recebi os tesouros que tio
Jó me havia destinado, não imaginava que a cada leitura os mistérios
aumentariam. Não seria de esperar que os diários ajudassem a entender a pessoa? Pois tio
Jó deixou saudades, mas não pistas claras!
Por exemplo, “fevereiro 2 e 4” .
Por quê?
Nos registros daquele início de mês
achei isto:
Khuzhir, 2, 4 e 10 de fevereiro
Leda do Chuí e Leda Glória
O inigualável Pavarotti interpretava Nessun Dorma profundamente:
“Ma il mio mistero è chiuso in me; Il nome mio nessun saprà”
Verdade! “O meu segredo está
escondido em mim, e o meu nome ninguém saberá”. Mas o dela eu sei! Ninguém
saberá o quanto a amei, porque é segredo meu!
Que saudade imensa da Leda! Não a
do Chuí, mas a Leda Glória!
A família era toda minha amiga e antes
que as férias terminassem fui ao Faxinal visitar minha escola, meus ex-alunos,
os pais deles e os amigos. Ao chegar à casa do seu Josino, imensa surpresa me
esperava: era a festa dos quinze anos da Leda Glória, irmã mais velha de minha querida
Loeci, a mais novinha da escola!
Leda com quinze aninhos! Só quinze
aninhos!
Depois dos parabéns e da animação
de toda aquela gente simples do distrito, e das delícias servidas, e da
movimentação dos que saíam ou chegavam, os olhinhos de Leda começaram a
cruzar-se com os meus, cada vez mais, e depois ainda mais intensamente, até que
no fim da tarde criei coragem, venci minha enorme timidez e declarei a Leda que
a amava!
Os olhos dela brilharam e a reação sorridente
e igualmente tímida quase me deu vertigem:
– Eu também te amo!
Ainda tenho saudade daquele encontro! E dos olhares... E do
sorriso contido... E do beijinho tímido... E do próximo beijo...
Começava ali a história fugidia de
um amor eterno? Ou a mais longa história de um amor que não durou?
As circunstâncias da vida nos
separaram e as juras de amor ficaram condicionadas a “se”. Mas não houve “se”!
A distância ficou do tamanho do universo e nunca mais nos encontramos!
Que longa história para um amor tão
curto!
Ah! Se agora eu pudesse vê-la sem
ser visto! Queria muito transmitir novos e misteriosos parabéns de aniversário
cinquenta anos depois, mas não a verei. Talvez ela nem se lembre do amor que
lhe dei. Talvez nem mais lembre de mim – e pode até ser melhor assim! Se o marido
é ciumento... melhor o passado não voltar à presença dela nem em pensamento! Desejo
que ela esteja muito mais feliz com o amor que tem. Mas talvez não! Por isso, melhor
que ele nunca saiba do antigo amor dos tempos da inocência! Então, que ela nem me
relembre! Que eu esconda para sempre quanto desejei presenteá-la pelo quanto me
amou!
Queria retribuir com amor ainda
maior o santo amor com que nos amamos, mas a vida não é assim!
Em “Candilejas” Julio Iglesias
canta:
“y aunque sé que nunca volverás
yo te esperaré una eternidad...”
“y aunque sé que nunca volverás
yo te amaré la eternidad...”
Isso lembra “Amor sem limites”:
Isso lembra “Amor sem limites”:
“e um amor assim eu sei que é pra sempre,
é pra a eternidade”.
Era pra ser! Mas será que foi?
A vida muda tanto!...
Loyane
Depois que saí daquela escola
reencontrei a menininha Loyane poucas vezes. Era minha aluna mais querida e a colega
mais novinha da Loeci. Os longos cabelos pretos emoldurando os olhinhos negros
encantadores faziam jurar que não era humana, e sim um anjinho que veio à terra
para apaixonar o professor e as pessoas de bem.
Amo aquele anjinho cada vez mais
profundamente – não mais como a criança encantadora, nem como a mulher fascinante
em que se transformou, mas como a filha de Deus que luta contra as aflições que
o mundo joga sobre as pessoas. Por quê? Porque roguei a Deus para ensinar-me a
amar como Jesus nos ama!
Como a vida surpreende!
O encanto que ainda permanece não
consegue esconder as marcas duras de uma trajetória sofrida, com amargos desenganos
dos espinhos que a vida espetou nas ilusões, fazendo explodir os sonhos que a menininha
alimentava.
Ainda bem que viver não é só
tribulação. O melhor do que lhe resta de bênçãos são os tesouros que anestesiam
as dores da alma: o casal de filhos pequenos que ela enche de amor e pelos
quais continua lutando com o maior denodo. Felizmente eles nem sonham que,
quando passa o efeito da “anestesia”, a mamãe dá um jeito de esconder-se para
que eles não vejam aquele rostinho outrora inocente como o deles ser inundado
de lágrimas e a voz ser embargada por gemidos!
Infelizmente tais gemidos não refletem a inspiração
encantadora de “una furtiva lágrima”, que Donizetti escreveu em “Elixir do Amor”:
“Una furtiva lagrima in occhi suoi spuntò”
O coraçãozinho dela não mais palpita
forte como na juventude por reconhecer um amor. As lágrimas furtivas que os
olhos agora derramam não são pelo arfar em sintonia com o abraço de outro peito
cuja paixão a faça tão feliz a ponto de cantar:
“Céus! Posso morrer de tanto amor!”
Agora extravasam o profundo sofrer de não achar um só ombro para desabafar, para carregar com ela uma parte da dor pelo menosprezo de quem tanto amou!
Os inocentes não desconfiam de que a
mãe reprime o pranto para derramar a sós, quando espera o ônibus no ponto ainda
sem ninguém, ou quando o olhar vazio contempla o nada através da janela do
transporte que a conduz ao trabalho, ou quando se refugia no banheiro da
empresa para lavar o rosto e enxugar as marcas do pranto baixinho e liberar os
gemidos trancados no peito. Não calculam quanto custa a ela tirar forças da
fraqueza e transformar o desânimo em energia para cuidar das preciosidades que
Deus lhe deu.
Depois, cansada das grosserias da
labuta diária, esquece por um pouco as lágrimas inconsoláveis das feridas
dolorosas de um relacionamento que só deixou angústias e marcas incuráveis, lembra-se
da responsabilidade com os filhos, do desafio das contas para enfrentar no fim do mês, pede forças a Deus e se renova com a desafiadora motivação de prover
sustento dos filhos preciosos, que ama mais do que a si mesma!
Oh! Loyane querida!
O amor egoísta de um homem por uma
mulher jovem e bonita é fácil de compreender, mas ela sabe que pode ser fugidio
e enganoso! Sim, porque colheu mais espinhos do que flores. Mas quem pode
entender o Amor de Deus num homem transformado? Será que ela sabe que Jesus
ensinou a amar com o Amor que dura para sempre e nunca faz mal ao próximo?
Ela ainda não consegue! As marcas com
que o homem da sua vida feriu a alma dela ainda turvam seus olhos interiores. Ela nem consegue ver
ainda quanto Deus a ama e que futuro magnífico e cheio de vitórias reserva para
ela e para os filhos! Oh! Sim! Ela é lutadora e saberá perseverar! Ela só
precisa ter essa visão para transmitir aos seus tesouros ainda pequenos.
Afasto-me e finjo não perceber nem me
importar. Calo-me e apenas rogo a Deus para que ela veja no youtube Pavarotti
expressar com extremo virtuosismo o final incomparável de Nessun Dorma, que
manda as estrelas dormirem, ordena à noite que desapareça e chama o brilho do amanhecer,
profetizando
gloriosamente como ninguém sobre o novo dia que vem para ela:
“Ao amanhecer vencerei!
Vencerei! Vencerei!”
Fevereiro, as areias do Baikal e Perigiali
Estou no outro lado do mundo para não
pensar em ninguém. Não quero sentir saudades do Brasil.
Ontem vim de Krasnoyarsk. Fica
perto daqui, mas em geral na Sibéria lugar perto é muito longe! Assistir à loira
Helene Fischer cantando na sua cidade natal fez-me lembrar da loirinha do Chuí, o
primeiro amor, que não quero lembrar.
Não quero esquecê-la só porque pisou
meu coração como outras ferem qualquer outro, como outros ferem belas e
inexperientes filhas de Eva! Amei Leda até que a vida lhe deu descanso. Amei em
silêncio, distante, calado, às vezes rogando a Deus por ela! E assim continuei
amando – amando para sempre – e me consolo por Deus tê-la levado para Si!
Não é dela que falo.
Agora é dois de fevereiro e, portanto, quatro de
fevereiro está chegando, e dez de fevereiro corre vertiginosamente em minha direção. Que Deus abençoe Leda Glória, meu segundo, santo e grande
amor!
Oh! ... Os amores!... E lá me vêm as
lembranças outra vez!
Pensarei nisso depois, porque hoje
é apenas dois de fevereiro – um dia qualquer!
Vim passar uns dias no Lago Baikal,
mas talvez não venha mais. A Sibéria deve ter pensado nisso e preparou um adeus
magnífico. Era para estar muito frio, mas o mundo está mudando e o lago ainda nem
congelou neste inverno! Por isso, fui passar o dia sozinho na minúscula praia de
areia branca e dourada escondida entre a charmosa “rocha do Xamã” e a
cidadezinha de Khuzhir, na ilha de Olkhon – a “Ilha do Bem”!
Se o nome da ilha já é inspirador, o
início de fevereiro é mais ainda! Arranjei algo para comer ao meio-dia, peguei
o smartphone para gravar ideias e ouvir música e fui a pé,
para um encontro a quatro: eu, a areia limpa, a quietude do lago refletindo o
céu de azul profundo, e a inspiração divina. Caminhei de um lado para outro,
subi e desci os campos verdes em direção a Khuzhir, e a fome veio. Sentei perto
da mochila, servi-me do lanche, gravei duas poesias e liguei a música do
smartphone, para dormir um pouco na praia esquecida.
Pois é...
Se nada fazia de dois de fevereiro mais que um dia qualquer, então por que não me saía da cabeça que há muitos anos era dia de ligar ou enviar um presentinho simples para a colega professora de cujo nome nem mais lembrava?
Se nada fazia de dois de fevereiro mais que um dia qualquer, então por que não me saía da cabeça que há muitos anos era dia de ligar ou enviar um presentinho simples para a colega professora de cujo nome nem mais lembrava?
Que coisa! Como é que lembrava a
data do aniversário e não o nome dela? Muito estranho! Por que logo hoje recordava também os anos
de oração, com provas do Amor Divino, suprindo necessidades, sendo ombro amigo,
aconselhando e dando apoio?
Não me canso de escutar a voz meiga
de Maria Farantouri cantando “Perigiali”. O bandolim me soa com a magia de uma
harpa e o nome da colega quase me veio à memória! Inspirado pelo cântico, persisti
até lembrar-me por completo e escrevi seu nome várias vezes na areia, lembrando-me
de quanto a amei!
Foi como em Perigiali (A praia escondida):
Na praia escondida,
branca como pomba,
tive sede ao meio-dia,
mas há sal na água.
Na areia dourada
Eu escrevi aquele nome,
Mas a brisa doce
apagou o nome dela!
Apagou mesmo! Sei que é um nome
poético, sonoro, que vem da Bíblia e que lembra doçura.
Sei lá! Chega disso!
Levantei-me da areia e me afastei do lago, porque agora as nuvens da tarde já haviam turvado o azul do céu. Contemplei
a areia para mais uma vez ver o nome da doçura, mas a brisa doce – a brisa implacável do tempo – tirou de lá o nome dela!
Rumei para Khuzhir e também apaguei o nome
dela dos ouvidos.
Dois de fevereiro!... Entardeceu e nem
memorizei o nome já apagado pela doçura da brisa soprando firme na areia!
Já orei pela Loyane, e só fico triste por lembrar que seu aniversário é na próxima semana e não estarei no Brasil para dar-lhe um carinhoso abraço de felicitação. Já senti
saudade da Leda do Chuí. Já lembrei da Leda Glória.
Na mente ainda vejo, mas as brisas da vida apagaram o seu nome da areia!
E sobre a outra aniversariante?
A mente fotográfica ainda vê o que escrevi na areia – em russo:
Я все еще люблю тебя, Ноэми
Na mente ainda vejo, mas as brisas da vida apagaram o seu nome da areia!
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